Francis Smith

Francis Smith

 

Francisco Smith (1881-1961)

Descendente de família inglesa, nascido em Portugal Francisco Smith (1881-1961) chegou a Paris em 1907 onde estudou e conviveu com Eduardo Viana, Emérico Nunes e Amadeo de Souza-Cardoso. Naturaliza-se francês, simplificou o nome para Francis Smith, casa com a escultora francesa Yvonne Mortier e vive nesta cidade com o apoio de uma pensão paterna.

Raras vezes tornou ao país natal, embora este povoe boa parte da sua obra. Jorge Barradas (1894-1971) disse sobre Smith que ele amava Portugal e que, ao partir para o estrangeiro, os seus olhos levavam consigo a nostalgia da cor e da luz portuguesas, marca indelével inscrita na sua retina, que as brumas de Paris avivariam. «Até nas paisagens de Paris, involuntária, mas inevitavelmente, Francisco Smith deixa escorrer a nota portuguesa – segredo e mola da sua arte», escreveu também Urbano Tavares Rodrigues em 1951.

Pintor, poeta e mago, «que criava tudo a partir do quase nada», à efervescência de um mundo artístico em plena ebulição (1907 foi o ano em que Picasso pintou Les Démoiselles d’Avignon), Francis Smith opôs uma pintura de calma fantasia. Espírito independente e portador de um oásis de paz interior, atravessou os conturbados tempos da primeira metade do século XX europeu acreditando na possibilidade de exprimir plasticamente todas as felicidades do mundo. «Vous êtes un provocateur!», escreveu o pintor Isis Kischka (1908-1974) no catálogo da exposição organizada pela associação “Les amis de Francis Smith”, a celebrar os 80 anos do pintor que faleceria, porém, antes da sua inauguração.

Dedica-se a uma pintura de memórias de Lisboa, em enquadramentos seriais de bairros típicos, expressivamente modernista. As suas crónicas de recantos lisboetas e cenas populares, repetidamente descritas e obsessivamente lembradas, contrariando a permanente ausência do seu país, transmitem sentimentos de saudade e inocência, em imagens de uma cidade idílica que atravessa tranquilamente um período agitado de crises sociais e políticas europeias.

Nas suas representações de Lisboa, nas escadarias, parques, jardins, surge frequentemente uma figura masculina, recordação emotiva do pai, procurando uma ingénua qualidade cénica na visão lírica dos seus apontamentos, perdidos no tempo e num espaço sentimental. As personagens que povoam os parques, os jardins e os campos da pintura de Francis Smith nunca franqueiam os limites destes espaços, erguidos em anfiteatros de presépio e de altar. A aventura está neles como a pintura está em Smith, que trabalha a partir do seu universo interior.

Amigo de Marcel Proust, (a sua obra comunga de uma mesma procura e descoberta do tempo perdido). Espírito independente, saudoso de vivências bairristas lisboetas, revela referências francesas e um universo íntimo numa linguagem modernista e nacional.

Francis Smith expôs pouco, participando embora, a partir da década de 1930, nos Salons Peintres Témoins de leur Temps, des Indépendants, d’Automne, des Tuilleries, de la Peinture à l’Eau et du Dessin, des Comparaisons d’Asnières, des Grands et les Jeunes d’Aujourd’hui. Uma infinita discrição preserva os quadros de Smith dos perigos que enferma a anedota banal.

Em Lisboa, Francis Smith participou na Exposição Livre de 1911, tida como marco fundador na historiografia da arte portuguesa: foi aí que apareceram os primeiros «novos», que mais tarde seriam classificados como «fundadores» da Arte Moderna. Não faltam boas razões para que a historiografia da arte portuguesa dedique renovada atenção a uma pintura que, pela técnica da linguagem, se mantém fiel a algumas correntes da Escola de Paris dos anos 1920, mas cujo mundo maravilhoso tem tudo a ver com o lirismo português.

 

(Biografia construída a partir de textos de Isabel Lopes Cardoso e Maria Aires Silveira)